segunda-feira, 14 de maio de 2018

Pré-História do Futuro

Pré-História do Futuro (Niourk), Stefan Wul. Tradução de Mário Henrique Leiria. Capa de Lima de Freitas. 199 páginas. Lisboa: Edição Livros do Brasil: Coleção Argonauta no. 56, 1960. Lançado originalmente em 1957.

Este é o segundo romance de Stefan Wul, publicado na coleção francesa Fleuve Noir, no. 57, em 1957, após sua estreia na mesma coleção em 1956 com Regresso a Zero (Retour à “O”). E é também o segundo do autor publicado na coleção Argonauta.
Se no primeiro romance Wul abordou um tema principal – disputa de poder entre a Terra e a Lua – com desdobramentos para a abordagem de temas secundários – como, por exemplo, a belíssima sequência da cirurgia miniaturizada no interior do corpo humano –, em Pré-História do Futuro temos um enredo mais centrado e definido, abrindo a oportunidade de maior aprofundamento dramático da história.
A civilização humana praticamente acabou depois de uma guerra nuclear. As cidades foram destruídas e não há mais mares e oceanos, só terra firme em infindáveis florestas e pradarias, algumas com altos níveis de radioatividade. Os humanos decaíram para uma nova pré-história, vivendo como caçadores e coletores organizados em tribos que apenas lutam para sobreviver. Caçam, entre outros animais cães, para comer! Outrora seus melhores amigos.
Numa destas tribos lidera Thoz, louro, alto e forte. Ele impõe sua liderança mais por sua força física do que pela inteligência, mas com eles vive também O Velho, respeitado por ser o único capaz de se comunicar com os deuses. Esta comunicação ocorre quando ele parte para o alto das montanhas e traz de sua jornada utensílios úteis à vida coletiva. Objetos estranhos, na verdade retirados de Niourk que, como se tornará claro ao longo do texto, é simplesmente o que sobrou de Nova York. A ação se passa entre as localidades do Caribe, como Hait, Jamai, Santiag de Cuba e o que restou da antiga costa leste norte-americana, cujas maiores ruínas encontram-se, justamente, em Niourk.
Numa das visitas do Velho à “morada dos deuses” ele não retorna. Uma expedição liderada por Thoz sai à sua procura, mas não o encontra, embora não ouse entrar em Niourk. Nesse meio tempo um pária que vive com a tribo, um garoto negro – discriminado e maltratado – resolve procurar o Velho de forma independente. Após chegar e percorrer a metrópole em ruínas encontra uma pistola laser e se espanta e encanta com seu novo poder. O rapaz encontra o Velho morto, e devora os miolos do seu cérebro para combinar sua nova força advinda da arma com a sapiência do sábio.
Neste novo mundo surge uma espécie inteligente, os polvos. Chamados de “monstros” pelos humanos guerreiam em busca de terras e alimentos. Numa dessas disputas levam a melhor, mas com a volta do rapaz negro, a vantagem volta aos homens, que os matam em grande quantidade e os devoram.
A tribo agora liderada pelo rapaz negro se sente vitoriosa e marcha para Niourk. Mas, subitamente, as pessoas ficam doentes e morrem rapidamente depois de apresentarem uma estranha luminosidade no corpo. É que os polvos eram seres radioativos e, ao comê-los, as pessoas também ficaram. Nos polvos a radioatividade lhes permitiu uma transformação cognitiva. Nos humanos a morte. Embora também doente o rapaz negro não sofre os efeitos de forma tão intensa, e parte para explorar Niourk, ao lado de um urso que encontrou pela selva.
Pouco antes do holocausto nuclear um pequeno grupo fugiu para Vênus e lá recomeçou a civilização. Numa missão à Terra uma de suas naves sofre um acidente e apenas três tripulantes sobrevivem, e adentram nas ruínas de Niourk. Um deles morre, mas os outros encontram o rapaz negro. Tratam de sua doença e percebem que a radioatividade o tornara superinteligente.
 Agora respeitado e temido Alf – o nome que ganha dos venusianos, uma corruptela de Alfabeto –, lê rapidamente todos os livros que encontra, e torna-se extremamente sagaz. Num verdadeiro salto evolutivo.
Assim como em Regresso a Zero (1956), neste livro o final é absolutamente delirante em termos de imaginação. Sem revelar todos os detalhes, basta dizer que Alf conserta a nave dos venusianos, cria uma nova civilização artificial para ele comandar e transforma a própria Terra numa nave que viaja em direção ao centro da galáxia!
Embora seja puro sense of wonder na melhor tradição pulp o desfecho destoa do tom elaborado ao longo da narrativa, bastante pessimista quanto à viabilidade de um reerguimento da civilização. Nesse contexto surge um novo (super) homem, e justamente daquele considerado inferior pelos outros, por causa da cor de sua pele.
O título original se refere à Niourk, corruptela da mais importante cidade do seu tempo, Nova York, acentuando, por meio de sua queda, à da própria humanidade. Mas o título português é mais interessante. Isso porque pode ser visto como uma alusão à História do Futuro (1718), do Padre Antonio Vieira, a primeira narrativa utópica da língua portuguesa. Pois se para Vieira o futuro reservaria ao povo português a liderança num novo império cristão, para Wul, sua pré-história do futuro não se refere à construção de uma nova e utópica civilização, mas centra-se num único e incrível humano produzido, de forma aleatória, para tornar-se quase que um ser divino. Resta saber que tipo de civilização humanoide, mas artificial, Alf irá construir.

– Marcello Simão Branco

sábado, 12 de maio de 2018

Gigantes adormecidos, Sylvain Neuvel

Gigantes adormecidos (Sleeping giants), Sylvain Neuvel. 308 páginas. Tradução de Michel Teixeira. Editora Companhia das Letras, selo Suma das Letras, São Paulo, 2016.

O acaso levou a pequena Rose a encontrar, numa cratera na mata, um artefato intrigante: uma enorme mão de metal. Passado o susto, a menina seguiu sua vida e tornou-se uma cientista destacada, enquanto a mão gigante foi levada para os porões do governo americano e acabou esquecida, até que uma agência tão secreta que nem se sabe nome dela, comandada por um homem tão misterioso quanto poderoso, volta a se debruçar sobre a escultura. Convocada para prestar esclarecimentos, a agora Dra. Rose Franklin, Ph.D., cientista sênior do Instituto Enrico Fermi da Universidade de Chicago, é convidada para coordenar os trabalhos de pesquisa a respeito do artefato, o que ela acaba aceitando. Além da Dra. Rose, também são recrutados a irascível piloto de helicópteros Kara Resnik, o circunspecto militar Ryan Mitchell e o gênio universitário Vincent Coulture. Juntos, eles passam a estudar profundamente o artefato, assim como outros que são posteriormente encontrados espalhados pelo mundo, que parecem ser partes de uma mesma máquina: um robô gigante em forma de mulher, abandonado na Terra por uma civilização antiga.
É claro que eles vão montar o robô e também que ele vai funcionar. Mas a falta de informações adequadas sobre seus controles, bem como as dificuldades anatômicas para pilotar a máquina, vão causar toda a sorte de tragédias, sem falar nos problemas políticos que a simples existência de tal dispositivo passa a suscitar em todo o mundo. Acrescente-se a receita um perturbado triangulo amoroso, e temos uma bomba muito pior que a atômica prestes a por fogo no mundo.
Esta é a história do romance Gigantes adormecidos, livro de estreia do escritor canadense Sylvain Neuvel, Ph.D, em Linguística pela Universidade de Chicago, que chamou a atenção do fandom americano quando de sua publicação, em abril de 2016. O livro chegou aos brasileiros poucos meses depois, com tradução de Michel Teixeira, pela editora Companhia das Letras no selo Suma das Letras.
Fica claro, já pelo título, que se trata do primeiro episódio de uma série: se são "gigantes adormecidos", certamente há mais de um desses colossos. O outro, ou outros, ficaram para as sequências. Além do mais, a ficha catalográfica revela que se trata do "Livro 1 dos arquivos Têmis", seja lá o que isso for. Ou seja, vem mais por aí.
Apesar de não ser conclusiva, a história deste primeiro volume é bastante movimentada, com fugas e perseguições, resgates perigosos, conflitos internacionais, dramas amorosos e até algum sexo.
Mas o melhor mesmo, que dá sabor à leitura, é o estilo narrativo em forma de entrevistas e depoimentos em que se alternam os personagens, com grandes lapsos entre um e outro, de modo que o leitor tem que estabelecer, por sua própria conta, as relações de causa e consequência entre um e outro capítulos. Mas não há grandes dificuldades de entendimento, pois a história é linear e bastante simples. E não deixe de ler  até a última linha, pois lá está o instigante gancho para a segunda parte, Waking gods, cuja publicação nos EUA está prevista para abril de 2017.
Por hora, vale degustar este Gigantes adormecidos, que recoloca o Brasil na rota dos lançamentos recentes da fc norte americana.
Cesar Silva