sábado, 23 de dezembro de 2017

Mystics in Bali (Indonésia / Austrália, 1981)


Mystics in Bali” é uma tranqueira produzida na Indonésia em parceria com a Austrália, também conhecido pelo título alternativo “Leák”. Com direção de H. Tjut Djalil, a história mistura elementos de magia negra, feitiçaria e vampirismo, apresentando uma cabeça voadora com órgãos internos pendurados, em efeitos precários e com um elenco extremamente ruim.
Uma escritora americana, Catherine Kean (Ilona Agathe Bastian), está em Bali (uma ilha localizada na Indonésia) para pesquisar informações sobre a antiga, estranha, misteriosa e poderosa magia negra “leák”, com o objetivo de escrever um livro sobre o assunto. Ela é auxiliada pelo namorado Mahendra (Yos Santo), nativo da região, e consegue um contato noturno e sinistro com uma feiticeira, uma rainha leák (interpretada por Sophia W. D. quando velha, e por Cinthya Dewi quando jovem).
A poderosa bruxa, com voz gutural, aceita passar os ensinamentos da magia para a ingênua Cathy, que se torna uma discípula das trevas e se transforma eventualmente numa criatura assassina e vampira à procura de sangue e carne de suas vítimas, sendo que sua cabeça, agarrada à espinha, pulmões e intestinos, se separa do corpo e voa em busca de alimento. Mahendra tenta salvá-la da maldição e pede ajuda ao seu tio Machesse (W. D. Mochtar) e outros religiosos para combater a rainha leák e libertar a namorada Cathy de seu domínio maléfico.
Com esse roteiro absurdo já dá para imaginar a imensa tranqueira que é “Mystics in Bali”, um filme tão ruim que o espectador torce para que acabe logo, mas isso somente ocorre depois de seus longos 87 minutos. Os atores são muito inexpressivos, artificiais e tão amadores que chegam a incomodar pela precariedade das atuações. A rainha leák dá tantas gargalhadas histéricas irritantes que nos incentivam a avançar o filme minimizando o incômodo. Sem contar a dança ridícula do ritual de magia negra.
Os efeitos são extremamente bagaceiros, principalmente a tal criatura demoníaca que é a cabeça voadora de Cathy possuída, arrastando as tripas pelos ares. Tem também uma mão decepada que caminha sozinha, o tentáculo enorme em forma de língua da bruxa leák, as cenas de transformação dela e da discípula Cathy em animais como porcos e outras criaturas gosmentas, além dos vômitos verdes misturados com ratos vivos e o duelo de feiticeiros transformados em bolas de fogo numa guerra patética de raios, entre outras bizarrices. Mas, onde normalmente isso seria um motivo para agregar valor como entretenimento para os apreciadores de filmes toscos, acaba surtindo um efeito contrário por causa da ruindade extrema geral do filme, desde a história sofrível até as atuações inacreditavelmente inexpressivas.
(Juvenatrix – 22/12/17)

terça-feira, 19 de dezembro de 2017

O Grito da Caveira (The Screaming Skull, EUA, 1958)


“Nós garantimos enterrá-lo sem custos se você morrer de susto durante O Grito da Caveira – jogada de marketing dos produtores

“O Grito da Caveira é um filme que atinge seu clímax num horror chocante. Seu impacto é tão terrível que pode causar um efeito imprevisto. Pode até matá-lo. Portanto, seus produtores garantem serviços funerários gratuitos para quem morrer de susto enquanto assistir O Grito da Caveira”.

No final dos anos 1950, uma época de ouro do cinema fantástico bagaceiro, vários filmes de baixo orçamento do produtor e cineasta William Castle receberam um tratamento diferenciado e criativo na área de marketing e divulgação, despertando a atenção e curiosidade do público para ir aos cinemas. Utilizando técnicas interativas para assustar os espectadores como poltronas que tremem e dão pequenos choques elétricos, fornecimento de apólices de seguro de vida para quem morresse durante a exibição do filme, ou o uso de um esqueleto humano iluminado movimentado por um complexo mecanismo de polias, cordas e correias, que era arremessado por cima das pessoas. Inspirado por esse marketing inusitado de William Castle, os produtores de “O Grito da Caveira” (The Screaming Skull, 1958), Thomas F. Woods e John Kneubuhl (também autor do roteiro), igualmente entraram na onda e prometeram pagar os serviços funerários de quem morresse de susto durante a projeção do filme (conforme atestam a tagline e a narração de introdução reproduzidas acima).
No filme, dirigido por Alex Nicol (mais conhecido pela carreira de ator coadjuvante), Eric Whitlock (John Hudson) se casa com Jenni (Peggy Webber) e juntos vão morar no casarão de Eric, que utilizava quando ainda era casado com Marianne, morta num trágico acidente doméstico, ao se afogar num pequeno lago após escorregar num dia de forte chuva.
Jenni tenta ser feliz ao lado do marido, após enfrentar uma fase conturbada com problemas psicológicos num hospital psiquiátrico por causa da morte dos pais afogados num acidente de barco. Na mansão ainda vive o suspeito jardineiro Mickey (Alex Nicol), um homem com retardamento mental que cuida do imenso jardim que rodeia a casa, e continua sentindo uma devoção exagerada à antiga patroa falecida. E entre os amigos do casal temos os vizinhos Reverendo Edward Snow (Russ Conway) e sua esposa (Tony Johnson).
Os problemas se iniciam quando Jenni é atormentada por gritos na escuridão da noite e com a suposta presença fantasmagórica da falecida primeira esposa de seu marido, além de uma misteriosa caveira que está constantemente perseguindo-a para desestabilizar o seu já fragilizado estado psicológico. Apavorada, o estado mental dela vai progressivamente piorando, confusa com os acontecimentos sinistros da casa e do passado trágico envolvendo a morte perturbadora de Marianne.
“O Grito da Caveira” tem fotografia em preto e branco e uma duração curta, com apenas 68 minutos. É uma produção de orçamento reduzido, poucos personagens (apenas 5), uma história clichê e ingênua com elementos de horror que talvez pudessem assustar as platéias mais sensíveis de meados do século passado, mas que atualmente dificilmente causaria algum desconforto. Os efeitos especiais da “caveira que grita” são patéticos de tão hilários. Porém, são exatamente esses ingredientes típicos do cinema fantástico bagaceiro daquele período que resultam na diversão dos apreciadores dessas tranqueiras. Temos uma atmosfera sinistra de um casarão envolto em manifestações sobrenaturais, um fantasma atormentado em busca de vingança e paz, uma mulher lutando para manter sua instável sanidade, e a jogada de marketing promocional com um caixão nos cinemas reservado para quem morresse de susto durante a exibição do filme.
Curiosamente, “O Grito da Caveira” também recebeu outro nome alternativo nacional: “A Maldição na Noite de Núpcias”.
(Juvenatrix – 19/12/17)

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

30 ANOS DE UMA REUNIÃO ESPECIAL

Foi num sábado, 12 de dezembro de 1987. Aconteceu na capital paulista a reunião comemorativa dos dois anos do Clube de Leitores de Ficção Científica (CLFC). Mas foi mais do que uma reunião. Foi uma verdadeira mini-convenção. A começar por sua duração. Ao contrário das reuniões mensais que aconteciam no período da manhã, a partir das nove horas, esta se estendeu até o fim da tarde, devido às muitas atividades programadas.
Na foto: André Carneiro e Jorge Luiz Calife
Em seus primórdios o CLFC paulista organizava suas reuniões mensais no último sábado de cada mês no mezanino da Livraria Paisagem, situada numa galeria da Avenida São Luís, Centro de São Paulo. O Benedito Máximo era o proprietário da livraria e sócio do clube, e importava todas as coleções portuguesas do gênero na época, como a Argonauta, Europa-América e Caminho, que abasteciam as coleções de FC dos fãs brasileiros, carentes de livros de FC publicados em nosso país. Neste local as reuniões duraram até o início dos anos 1990, quando a crise econômica levou a livraria à falência. Migrou depois para a sede do sindicato dos engenheiros rodoviários, no bairro do Bom Retiro, por iniciativa do sócio Ivan Carlos Regina. E vale lembrar que esta tradição de encontros mensais no fim do mês resiste até hoje. Só que numa pizzaria da família do sócio Humberto Fimiani.
Embora o CLFC já tivesse realizado uma bem sucedida Mostra de FC no prestigiado Sesc Pompéia em 1986, cuja intenção era divulgar o gênero para o público em geral, a reunião de dezembro de 1987 pode ser considerada como a primeira convenção do gênero realizada em São Paulo desde o renascimento da comunidade brasileira de FC no início dos anos 1980.
E não só pela duração do evento, mas principalmente por reunir de forma significativa as comunidades de São Paulo e do Rio de Janeiro. Sim, os cariocas vieram em grande número ao evento. É uma estimativa, mas vieram pelo menos umas 20 pessoas. Somadas às 30 de São Paulo, o evento somou cerca de 50 fãs ao longo do dia. Foi certamente o encontro mais importante do CLFC desde sua fundação até então, e dos mais importantes também pelo que aconteceu.
Era um lindo sábado de sol, e antes mesmo das nove da manhã muitos fãs, especialmente os do Rio que haviam viajado de madrugada, se juntavam à porta de entrada da livraria. Foi organizada toda uma programação de atividades que, infelizmente, eu não tenho como narrar já que este evento não recebeu qualquer notícia ou reportagem nos fanzines da época, nem no do próprio clube, o Somnium.
Em todo caso lembro que após os cumprimentos e abertura do evento, houve uma palestra sobre um autor de FC, como era praxe na época. A memória pode estar errada, mas creio que o fã carioca José dos Santos Fernandes falou sobre a obra de Poul Anderson.
Depois, lá pelo fim da manhã houve uma pausa para o almoço, mas antes vários dos fãs paulistas e cariocas percorreram as ruas do Centro à procura de sebos. Foi nesta andança que pude conhecer vários dos fãs do Rio, se não estiver enganado, o Braulio Tavares, Fábio Fernandes, Gerson Lodi-Ribeiro, José dos Santos Fernandes, Miguel Carqueija, Rubenildo Piton de Barros, Sérgio Fonseca de Castro, entre outros. Os de São Paulo eu já conhecia há alguns meses, pois esta era a minha quarta reunião mensal, após me associar em maio, e ir à minha primeira reunião em setembro, onde conheci o Cesar Silva, R.C. Nascimento, Roberto de Sousa Causo, Luis Marcos da Fonseca, Ivo Luiz Heinz, Ivan Carlos Regina, Sérgio Roberto Lins da Costa, Fritz Peter Bendinelli, Caio Luiz Cardoso Sampaio, Maria Angela Calazans Bussolotti, e muitos outros que vieram depois.

Presenças ilustres
Após o almoço as atividades se intensificaram e contaram com a presença especial de três personagens importantes da FC no país: os escritores André Carneiro e Jorge Luiz Calife, e o editor Gumercindo Rocha Dorea. Lembro que cada um deles proferiu uma breve palestra sobre sua trajetória na FC brasileira. O Gumercindo rememorando sobre suas coleções de livros dos anos 1960 e os autores que revelou, e André e o Calife narrando suas trajetórias e preferências temáticas dentro do gênero – o primeiro com uma FC mais humanista e introspectiva, e o segundo com uma mais tecnológica, com forte apelo à exploração espacial. Um soft e outro hard. Os três receberam grande atenção da audiência que lotou a livraria, respondendo várias perguntas e autografando seus livros.
O fandom paulista já convivia com o André e o Gumercindo desde pouco depois da fundação do clube em dezembro de 1985, mas a vinda do Calife foi uma novidade, ainda mais porque, ele nunca foi de conviver com os fãs. Já para o fandom carioca, alguns conheciam o Calife, mas muitos tiveram o primeiro contato pessoal com duas personalidades históricas da FC brasileira dos anos 1960, o Gumercindo e o André.

Nova Geração
Em setembro de 1987 havia estreado nos EUA a nova série Jornada nas Estrelas: A Nova Geração (Star Trek: The Next Generation), e numa correspondência com o Calife ele me disse que havia recebido de um amigo dos EUA uma cópia VHS do episódio piloto “Encontro em Longínqua” (“Encounter at Fairpoint”). Também ativo no fandom da série, pedi a ele que me trouxesse uma cópia. Contei para os trekkers a novidade, e uma dezena deles apareceu na reunião só para pegar a fita que o Calife havia me passado. No fim das contas fiquei na reunião, e só depois fui ver o episódio que reconstruiu a franquia do seriado.
Foi um dia realmente ímpar para mim e que fortaleceu de forma definitiva meus laços com a FC. Conheci gente interessante e aprendi muito sobre a história do gênero no país. Além disso, levei para casa alguns livros, como o presenteado pelo José dos Santos Fernandes, a coletânea Outros Contos do País de Outubro, do Ray Bradbury – de uma das coleções do GRD –, e comprei dois: a ótima antologia Science Fiction: Autores Selecionados e o romance Irmão Assassino, do Fred Saberhagen, Coleção Argonauta no. 201, que alguém me disse que era “muito bom”. E também adquiri alguns fanzines. Enfim, saí de lá com a cabeça cheia de ideias para projetos, e talvez tenha sido neste dia que nasceu a ideia de editar um fanzine. Pois cerca de um ano depois surgia, em parceria com o amigo Renato Rosatti, o Megalon.
Como disse antes, lamento apenas que um evento tão rico e único como este não tenha recebido qualquer documentação. Mas muitos dos fãs que lá estiveram – hoje na casa dos 50 ou 60 anos – poderão se lembrar de outros detalhes. Um dia de pura ficção científica como poucas vezes vivi depois.
– Marcello Simão Branco

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Mundo novo 2: Nova ordem, Chris Weitz

Mundo novo 2: Nova ordem (The new order), Chris Weitz. 266 páginas, tradução de Álvaro Hattnher. Editora Companhia das Letras, selo Seguinte. 2015.

O odisseia dos adolescentes em um mundo devastado por uma praga continua neste que é o segundo volume da saga iniciada em Mundo novo, publicado em 2014 pela mesma editora Companhia das Letras em seu selo Seguinte, cuja resenha pode ser lida aqui.
Jefferson é um nipoamericano novaiorquino que, depois de testemunhar seu mundo desmoronar e seu irmão mais velho sucumbir à doença, se vê na obrigação de assumir a liderança de seu pequeno mas determinado grupo de sobreviventes. Acompanhado de alguns garotos e garotas bons de briga, além do estranho e cerebral Crânio, partem para a missão de identificar o vírus mortal e encontrar uma cura, sem a qual estão todos condenados. Mas, para isso, têm de atravessar uma Nova York anarquizada, dividida em feudos em guerra, além de monstros antropófagos de quatro e de duas pernas. O primeiro volume se encerra quando, depois de enfrentar o bando de psicopatas liderado pelo último adulto vivo – que foi justamente o criador do vírus – a cura é obtida a partir do sangue de Jeff. Quando uma solução redentora parece próxima, os garotos são surpreendidos por um helicóptero da marinha, repleto de soldados que os capturam e levam para o alto mar. É justamente aqui que se inicia Nova ordem.
Jefferson, Crânio, Donna – que depois de muitos desencontros tinha iniciado um ardente idílio com Jefferson – e os demais sobreviventes já imunizados contra a doença, são aprisionados num porta-aviões fundeado ao largo da costa da cidade. A nave é americana, mas parece estar sendo controlada por oficiais britânicos. Ali, os meninos são submetidos a longos e intermináveis interrogatórios, e logo percebem que o mundo não sofreu com o vírus tanto quanto os Estados Unidos. Ainda há muitos adultos na Europa e em outros continentes, também imunizados contra o vírus, mas a ordem mundial está perturbada e instável. Muitos países desapareceram completamente, mas os que subsistem travam uma espécie de guerra fria, disputando os recursos deixados pelos que se foram. Para facilitar o trabalho, os sobreviventes decidiram abandonar a população dos EUA a própria sorte, esperando até que todos os seus habitantes morram para, depois, tomar seus recursos sem resistência. A cura encontrada por Jefferson é, assim, um grande problema para os planos dos novos senhores do mundo.
Quando os jovens começam a se adaptar a nova realidade de suas vidas, depois que o comandante do porta-aviões relaxa um pouco as suas prisões, os garotos são contatados por um grupo secreto de soldados americanos que querem retomar o controle dos EUA e levar para lá a cura de Jefferson. Depois de um rápido entrevero, os jovens embarcam num helicóptero para voltar para o continente, mas um deles fica para trás: Donna não consegue embarcar e é levada para Londres, onde outra fase de interrogatórios a aguarda. Lá, seus tutores dizem-lhe que todos no helicóptero morreram, e ela terá de superar a tristeza da perda de seus amigos e de seu grande amor. Mas o que Donna não sabe é que tudo o que lhe disseram é mentira.
De volta à Nova York, agora com a ajuda de alguns mariners, Jefferson e seus companheiros iniciam uma campanha de coalizão entre as diversas tribos de sobreviventes, usando a cura como um argumento incontestável. A princípio, as coisa parecem progredir de forma satisfatória, apesar de muitos riscos pelos quais o grupo tem de se sujeitar, mas o que nem Jefferson, nem o inteligentíssimo Crânio imaginam é que eles estão sendo manipulados e que um perigo ainda maior que a doença pode ser liberado no planeta.
Chris Weitz mais uma vez demonstra que sabe muito mais além de dirigir filmes. Seu texto é fluido, de descrições detalhadas e precisas que ajudam a construir as impressionantes imagens de uma Nova York em ruínas. Além disso, usa criativamente diversos recursos estilísticos e gráficos para dar voz individual a cada um dos personagens. Assim como no primeiro volume, o autor narra os acontecimentos através de depoimentos dos personagens, como se estivessem escrevendo um diário pessoal. Cada um deles tem seu próprio estilo narrativo e usa um linguajar diferenciado, com gramática e jargões próprios. Além disso, cada um deles tem sua própria tipologia, que também revela características de suas personalidades. Neste livro, outros além de Jefferson e Donna participam com depoimentos próprios, como o homossexual Peter, valoroso membro da equipe original, a agressiva Kath da tribo de Uptown, que ainda não sabe se ama ou odeia Jefferson, e principalmente o cerebral Crânio, cujo texto sem pontuações e parágrafos reproduz seu confuso fluxo de pensamento. A variedade de tipos e etnias também contribui para fazer a história ser mais que um romance para adolescentes, com muitas discussões sobre ética e intolerância em pauta.
Mundo novo revela ainda que teremos pelo menos mais uma sequência, uma vez que a história não tem uma conclusão, com ganchos poderosos que deixam o leitor ansioso pelo que há de vir. E nestes tempos em que as mídias audiovisuais estão em alta, fazer um leitor ansiar pela publicação de um livro é, sem dúvida, um feito admirável.
Cesar Silva

Feroz simetria, Roberto de Sousa Causo

Feroz simetria, Roberto de Sousa Causo. Nova Coleção Fantástica nº4. Edições Hiperespaço, São Bernardo do Campo, 2004.

FÁBULA E FICÇÃO CIENTÍFICA
por Miguel Carqueija

Um livro mais do que surpreendente, na verdade um conto extenso e publicado originalmente no exterior, em inglês, como narra o autor em seus agradecimentos, e ornado com ilustrações de Jin Gruss (República Checa) e Petri Hiltimen (Finlândia).
O protagonista-narrador é um agente federal brasileiro, amigo de um tigre siberiano falante. Sim, porque nesse mundo de um incerto futuro os animais passaram a falar, tornados inteligentes por obra e graça de misteriosos alienígenas que sequer aparecem na história. Esses assim chamados Novos Bichos, por contrariarem poderosos interesses, são perseguidos em vários países porém protegidos no Brasil, e ajudam a combater o tráfico de animais e outras mazelas da civilização humana.
É preciso lamentar que o livro não tenha sido revisado, pois está repleto de erros de digitação que truncam o texto. A mensagem, porém, é muito válida, inclusive ao apontar a corrupção das autoridades, que abandonam a quem deveriam defender. Causo trabalha com a consciência do dever, mesmo se for à custa da própria vida. O diálogo com a corrupta agente Melinda — envolvida na emboscada contra Nadezhda, o tigre, é esclarecedor:

“Está cometendo um grande erro, amante dos animais. (...) Você não pode ficar no caminho das forças que estão em jogo agora. (...)
— (...) Se cometi um erro nas minhas escolhas foi há muito tempo atrás. Você não entendeu isso, e nem Ribeiro. Este é o seu engano.”

Para os aficcionados de uma ficção científica consciente e engajada é livro que recomendo e aplaudo.

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

The Earth Dies Screaming (Inglaterra, 1964)


Um dos sub-gêneros mais divertidos do cinema bagaceiro de ficção científica dos anos 50 e 60 do século passado certamente foi aquele que abordava o tema de invasão alienígena. Existe uma quantidade imensa de filmes desse período com roteiros explorando o drama da humanidade tentando sobreviver ao enfrentar uma invasão de criaturas hostis vindas do espaço sideral com propósitos de conquista. Seja por causa dos valiosos recursos naturais ou simplesmente pelo domínio de uma raça inferior em tecnologia e força militar.
The Earth Dies Screaming” é uma produção inglesa com fotografia em preto e branco que tem um título original sonoro e sensacionalista, típico dos filmes bagaceiros do gênero fantástico daquele período, e que foi dirigida por um especialista na área. Terence Fisher foi o principal cineasta da lendária e cultuada produtora inglesa “Hammer”, sendo o responsável por diversos filmes clássicos que ficaram eternizados na história do gênero como “A Maldição de Frankenstein” (The Curse of Frankenstein, 1957) e “O Vampiro da Noite” (Horror of Dracula, 1958), ambos com os ícones Christopher Lee e Peter Cushing.
Escrito por Harry Spalding (creditado como Henry Cross), o filme é curto com apenas 62 minutos de duração, e mostra um vilarejo no interior da Inglaterra onde os moradores são mortos misteriosamente. Jeff Nolan (Willard Parker) é um piloto de testes americano em exercícios militares na Inglaterra e que ao aterrissar seu avião encontra uma cidade em silêncio e com várias pessoas mortas espalhadas pelo chão. Ao investigar o mistério, ele encontra num hotel outros sobreviventes, Quinn Taggart (Dennis Price) e Peggy Hatton (Virginia Field), além do casal formado por Edgar Otis (Thorley Walters) e a esposa Violet Courtland (Vanda Godsell), que se recuperavam de um acidente com seu carro.
O pequeno grupo de sobreviventes especula sobre o mistério ao redor e acham que a cidade sofreu um ataque de gás venenoso, fato que poderia explicar as mortes repentinas dos habitantes e sem traços aparentes de violência física. E então surge outro casal, dessa mais bem mais jovem, formado por Mel Brenard (David Spenser) e a mulher grávida Lorna (Anna Palk). Enquanto tentam entender a origem do caos, encontram robôs humanoides assustadores caminhando pelas ruas silenciosas com cadáveres espalhados, e são atacados pelos mortos que voltam a andar como zumbis escravos controlados pelos robôs, com seus olhos esbugalhados como bolas cinzas. Restando apenas lutar pela sobrevivência enquanto “A Terra Morre Gritando”...
O filme é uma produção tranqueira de baixíssimo orçamento abordando o tema da invasão alienígena, com uma atmosfera sinistra de mistério e a presença de robôs alienígenas toscos ao extremo, além de mortos caminhando novamente sobre a Terra. A especulação sobre uma guerra com gases venenosos nos remete à paranóia da guerra fria daquele conturbado período tenso que a humanidade vivia após a Segunda Guerra Mundial, com a ameaça de um holocausto nuclear causado pelas potências opostas da época, Estados Unidos e a antiga União Soviética.
O ritmo é arrastado em alguns momentos, mas isso não chega a prejudicar o entretenimento por causa da curta duração com pouco mais de uma hora de filme. Os robôs são bizarros e lentos, criação de uma tecnologia superior de alguma raça de outro planeta, e possuem poderes para matar facilmente os humanos apenas com um toque. Os zumbis são toscos, com seus olhos inertes, seguindo obedientes os comandos das máquinas. “The Earth Dies Screaming” é o cinema fantástico bagaceiro dos anos 60, divertido e indispensável para os apreciadores do gênero.
Curiosamente, algumas cenas do clássico “Aldeia dos Amaldiçoados” (1960) foram inseridas no início do filme antes dos créditos de abertura, a queda de um avião explodindo com o impacto e um carro se chocando contra um muro.
(Juvenatrix – 06/12/17)

sábado, 25 de novembro de 2017

Um Editor Apaixonado

A morte inesperada de Douglas Quinta Reis deixou todos passados, surpresos, e tristes. Havia estado com ele três dias antes na Devir conversando sobre as provas finais da antologia As Melhores Histórias Brasileiras de Horror e ele me recebeu com o bom humor de sempre. Ainda no dia seguinte falei com ele ao telefone para tirar algumas dúvidas sobre a concepção da capa, e ele estava com aquele ar de apressado por tantas tarefas, mas atento para que o trabalho ficasse o melhor possível.
A primeira lembrança que tenho dele é numa reunião do Clube de Leitores de Ficção Científica (CLFC), acho que em 1988 ou 1989, ainda na Livraria Paisagem, que ficava numa galeria na Avenida São Luís, Centro de São Paulo. Eu estava no clube há pouco mais de um ano, e o Douglas aparecia de vez em quando. Após esta reunião lembro que todos os presentes foram para a livraria BookCentre, que ficava numa travessa da Rua 7 de Abril, onde ficamos extasiados com a grande quantidade de livros importados de FC. O Douglas, naquele dia, tinha ido retirar um exemplar da The Magazine of Fantasy & Science Fiction, como fazia todos os meses.
Embora gostasse de ler livros de ficção científica a maior paixão do Douglas era mesmo os quadrinhos, onde ele esteve à frente, como um dos fundadores da Devir, na publicação de um catálogo enorme e de grande qualidade de obras e artistas do primeiro nível, do Brasil e do exterior, além de abrir espaço para muitos jovens talentos. Na mesma Devir Douglas também publicou livros de role playing games (RPG), um dos pioneiros no Brasil, desta febre de jogos baseados em histórias que cresceu a partir dos anos 1990.
Depois de alguns anos retomei meu contato com o Douglas, através do Roberto de Sousa Causo, que estava à frente da coleção Pulsar de FC na Devir. Causo meu abriu as portas num momento em que eu estava terminando o doutorado e, com a bolsa expirada, vivia de bicos para pagar as contas. Ele e o Douglas me passaram vários pequenos trabalhos, onde pude, além de contar com um dinheirinho útil, aprender mais sobre o processo editorial. Desde revisão e digitação de livros até parecer para obras enviadas, sou grato a ambos por esta oportunidade. Logo depois eu e o Cesar Silva, que publicávamos o Anuário Brasileiro de Literatura Fantástica na Tarja Editorial, procuramos o Douglas para ver se poderíamos passar a publicá-lo na Devir. Foi fácil, pois o Douglas nos apoiou de forma entusiasmada, ciente do seu papel de incentivador, promotor da ficção científica brasileira.
Graças a ele eu e Cesar publicamos cinco edições do Anuário (2009 a 2013), e eu ainda tive a chance única de organizar a antologia Assembleia Estelar: Histórias de Ficção Científica Política, em 2011, dentro do selo Pulsar. Incrível é que o Douglas não fazia restrições quanto ao tamanho do livro. Lembro que quando numa reunião lhe disse, preocupado, que imaginava que o livro inicialmente previsto para 300 páginas, passaria das 400, ele nem pestanejou: “Melhor assim, mais histórias para ler!”.
Devido a tantas atividades que misturavam edições de quadrinhos, RPG e literatura, além da parte administrativa na qual também atuava, o fato é que ele era uma pessoa muito ocupada, mas estava sempre disposto a ouvir novas ideias e acompanhar os projetos em andamento. E mesmo que a FC não fosse o carro-chefe da editora ele foi, provavelmente, o publisher brasileiro que esteve à frente da maior quantidade de coleções de FC&F ao mesmo tempo: Pulsar, para FC; Quimera, para Fantasia; Pentagrama, para o Horror; Enciclopédia Galáctica, para obras de não-ficção, e ainda Asas do Vento, para livrinhos de bolso de FC&F. É verdade que a maioria destas coleções não teve regularidade, devido, principalmente, a alguns problemas de reestruturação financeira pelo qual a editora passou no últimos anos, mas elas, ainda hoje, não foram oficialmente descontinuadas.
No plano pessoal o Douglas era humilde, avesso a badalações e não se envolvia nas polêmicas estéreis e, por vezes, destrutivas, nos círculos do fandom. Tinha mais o que fazer sendo um editor profissional e competente e, acima de tudo, um apaixonado pelos gêneros fantásticos, generoso e parceiro abriu portas e oportunidades para vários talentos que não teriam o mesmo espaço em outras editoras. Pois além de amparar vários projetos, permitiu aos autores participarem ativamente de todo o processo editorial, atuando em parceria com ele e os outros profissionais da Devir. Quem já trabalhou com outras editoras sabe que esta não é a praxe, e isso me fez também aprender mais no que diz respeito ao trabalho editorial.
Com a morte de Douglas Quinta Reis não sei quais rumos a Devir tomará, e espero que seja o melhor possível. Mas é provável que tenhamos fechado um ciclo, pois será difícil encontrar alguém tão dedicado e aberto a novas ideias como ele. Fará falta e o melhor que podemos fazer é prosseguir com a mesma postura com que ele nos abrigou e fez da Devir uma editora respeitada no mercado editorial. Vá em paz, companheiro.
Marcello Simão Branco

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Douglas Quinta Reis (1954-2017)

Se há uma coisa que não gosto de escrever são obituários, que adio o máximo que posso. Fica ainda mais difícil quando se trata de uma pessoa é próxima, como é o caso. Mas não posso me furtar a testemunhar aqui o passamento de Douglas Quinta Reis que, por muitos anos, foi o meu principal editor.
Reis foi um dos fundadores da Devir Livraria que, ao longo dos anos 1980, montou um esquema próprio de distribuição de revistas importadas, para o qual criou o boletim Recado Devir, fanzine que marcou uma geração de leitores. A Devir também ficou conhecida pela publicação de livros de RPG e card games, jogos que se tornaram grandes coqueluches dos anos 1990. Como se fosse a coisa mais natural do mundo, a Devir também se envolveu com a publicação de quadrinhos de artistas nacionais e estrangeiros – sempre apresentados na forma de álbuns de luxo –, e com a literatura fantástica, para a qual mantinha selos exclusivos para ficção científica, horror e fantasia, de autores brasileiros e estrangeiros, clássicos e modernos. Reis era como um malabarista que mantém muitos pratos girando ao mesmo tempo na ponta de varetas, sem derrubar nenhum e sem perder a classe. O trabalho adiante de todas essas linhas editoriais ao longo dos 30 anos da Devir colaborou decisivamente para estabelecer no Brasil um segmento hoje muito disputado, o da chamada cultura geek.
Conheci Reis em 1995 quando me lancei a tarefa de realizar a primeira de quatro convenções anuais de horror, as HorrorCons. Logo de cara, e com toda boa vontade e gentileza que sempre o caracterizaram, Reis se aproximou do evento, patrocinou cartazes de divulgação e esteve presente em todas elas. Mais tarde, acolheu a publicação do meu Anuário Brasileiro de Literatura Fantástica, do qual publicou cinco edições, sem falar em vários outros projetos dos quais participei direta e indiretamente. Neste momento estávamos envolvidos na preparação de uma antologia de contos de horror, que organizei ao lado de Marcello Simão Branco – que também foi meu parceiro nas HorrorCons e no Anuário –, e estávamos em contato quase diário. Foi um choque receber a notícia de sua morte repentina, vitimado por um ataque cardíaco fulminante na noite de 12 de outubro. Até porque Reis não tinha histórico algum, era jovem e ativo. Divertido, bem informado e sempre pronto para um bom papo - sem falar nas lições sobre edição que passava naturalmente durante as conversas - era um prazer compartilhar sua presença.
Seu corpo foi velado e enterrado no dia 14 de outubro no Cemitério da Quarta Parada, em São Paulo.
A Devir continua e torcemos por seu sucesso, mas por certo que não será a mesma sem a presença de Douglas Quinta Reis. Não há dúvida que testemunhamos aqui o fim de uma era.
Cesar Silva

terça-feira, 24 de outubro de 2017

Pesadelo, um conto de Miguel Carqueija

PESADELO
Miguel Carqueija
            O Doutor Gumercindo Macieira Dantas chegara cansado e sem disposição sequer para assistir o Rambo que colocara em seu aparelho de vídeo. Só queria dormir. Tomou um banho cuidadoso, eliminando os vestígios de sangue nas unhas, esquentou um lanche rápido e consumiu-o entre bocejos. Uma fatia de empadão de galinha com café bem forte e algumas bolachas com queijo pareceram-lhe suficientes. A cama o esperava.
            Aproximou-se da cama, quase cambaleando. Puxa, como aquela chimpanzé dera trabalho! Sim, às vezes cansava muito. E a luz faltar justamente na hora dos elétrodos... isso é que dava ser pesquisador no Brasil.
            Não se conseguia nem receber animais saudáveis. A chimpanzé morrera depressa demais, em consequência da dor e dos choques elétricos. Dantas precisava que ela aguentasse mais uma semana, para complementar as suas observações. Agora teria de começar a briga para conseguir outro exemplar.
            Gumercindo bocejou longamente, já na cama. As pálpebras pesavam como chumbo. Ainda têm uns idiotas que rezam antes de dormir, pensou ele. E adormeceu completamente.
            Em pouco já roncava.
................................

            As luzes se acenderam de súbito.
            — Que é isso?
            Dantas já não estava em seu quarto. Estava numa estranha sala, cheia de luzes semelhantes às dos estúdios de televisão, direcionadas sobre ele, ofuscando-o. E ele próprio estava sentado numa cadeira de lenha e couro, preso com correias aos braços, às pernas e às costas de mesma. Remexeu-se, tentando se libertar. E então observou, horrorizado, os demais presentes.
            Ali estavam diversos chimpanzés, todos com batas brancas, vários cachorros, gatos, porquinhos da Índia, ratos brancos e coelhos. Os chimpánzés portavam diversos objetos médico-cirúrgicos, moviam-se e confabulavam pelo aposento; os demais animais, agrupados em círculo ao redor da cadeira, fitavam-no com olhos de acusação.
            — Que faço aqui? Quem me prendeu? Socorro!
            Um dos símios olhou bem para Dantas e falou:
            — Hoje, humano, é o dia do seu julgamento. Nós, a quem você torturou e matou, o temos finalmente em nossas mãos.
            Incrédulo, Dantas percebeu que se tratava da fêmea que fôra aparufasa a uma cruz de aço, tivera o ventre aberto e o filhote eletrocutado no útero e recebera ainda uma séire de torturas dantescas antes de morrer, e da qual ele se recordara quando estava para adormecer.
            — Só que não lhe injetaremos curare — prosseguiu a chimpanzé, segurando um escalpelo. — Queremos que se debata e muito.
            — Hein?
            Um cachorro branco, que tivera suas patas serradas em vida (agora elas lá estavam de volta, inteiras), começou a latir para ele, furiosamente.
            — Calma, Rex! — disse um chimpanzé macho, a quem Dantas extraíra os olhos — Hoje ele será castigado.
            Aproximou-se de Dantas, empunhando um alicate.
            — Vamos começar pelos dentes. Naturalmente não lhe daremos anestesia, pois você nunca nos deu. Amor com amor se paga.
            — Como vocês podem falar? O que querem de mim?
            Se aquilo era um pesadelo como é que ele não conseguia acordar, por mais que se agitasse? Debateu-se, gritou, esgoelou: em vão.
            Fizeram-no abrir a boca. O alicate pinçou um dente canino e puxou com força.
            Dantas urrou de dor.
            — Grita, carrasco! — disseram em uníssono as vozes dos antropoides.
            Arrancaram-lhe dente após dente. O sangue jorrava de sua boca. A fêmea aproximou-se então com o escalpelo:
            — Chega de gritos. Perturbam a nossa concentração. Temos de fazer observações cuidadosas.
            Aproximou o escalpelo da boca do médico.
            — Não, a língua não!!! — gritou Dantas, louco de dor e terror.
            — Vemos primeiro abrir a barriga e puxar os intestinos para fora, como ele fez comigo — disse outro macaco. — Deixe-o gritar mais um pouco, Chica.
            — Mas ele não deixou você gritar, Boris. Lembra-se de cono ele mutilou suas cordas vocais?
            — Isso é verdade. Mas assim mesmo... como é bom ouvi-lo gritar!
            — Monstros! — berrou dantas, em desespêro. — Como podem torturar assim um ser humano?
            Boris encarou-o.
            — Ah, é? Então como você pôde torturar tantos animais, sabendo que nem utilidade existe nisso... que a sua Medicina não precisa de torturas? Estrebucha, desgraçado! Que isso ainda é pouco...
            A faca penetrou no ventre de Gumercindo. Incrédulo, perplexo, ele assistiu o seu intestino ser desenrolado para fora como a estopa que um mágico puxasse da cartola.
            Dantas pôs-se a gritar como um possesso, como se nada mais lhe restasse fazer na vida.
            Chica adiantou-se.
            — Pois bem, Dantas: vou amputar sua língua, e depois estaremos prontos para experimentar o LD.50 em você.
            Pela mente atormentada d eDantas passou a imagem do LD-50: a “Dose Letal 50%”, isto é, a administração, por todos os meios possíveis (bucal, nasal, anal, dérmico, intravenoso, subcutâneo e ocular) de remédios, pesticidas e cosméticos... para testar sua toxidade.
            Algo que normalemente se faz com animais.
            — Não! Não, pelo amor de Deus! Não me façam essa infâmia!
            — Falou em Deus, doutor? Para que esse fingimento? Desde a faculdade você perdeu a fé em Deus. Você não acredita n’Ele!
            E aproximou o escalpêlo da boca de Dantas. Este prosseguia:
            — Não! Não! Nããão.....
.............................

            — Acorde, homem!
            — Para que tanto espetáculo?
            — Puxa, deve estar maluco!
            Gumercindo abriu os olhos, em sobressalto. Quase pulou da cama, porém foi contido. Lá estavam vários vizinhos seus, alguns de pijama.
            O Afonsino resumiu tudo:
            — Quase chamamos a polícia. Você estava gritando tanto que parecia possuído por mil diabos. Que foi que houve, homem? Encheu a cara ou o que?
            Rostos, rostos. Todos aborrecidos, incomodados pelo sono perturbado.
            Uma mulher observou:
            — Foi preciso arrombar a sua porta. Nunca vi um pesadelo tão forte! O senhor deve andar muito nervoso...
            — Puxa, desculpem-me... foi de fato horrível...
            — Mas afinal, homem, que foi que você sonhou de tão horrível? No fim você gritava: “Não me façam essa infâmia!”
            Dantas ia responder ao Afonsino mas um pensamento cruzou sua mente: dizer o que? Que no sonho estava sendo torturado pelos animais que normalmente ele torturava? Coisa que ninguém sabia em detalhes fora do laboratório?
            — Eu... eu... sonhei que estava nas mãos de assaltantes. Desses que fazem crueldades. Foi terrível, mas felizmente foi só um sonho!
            Não se atreveu a dizer: “Graças a Deus, foi só um sonho!”
            No dia seguinte, para espanto geral, o Dr. Dantas pediu demissão no hospital e, torturado pelos remorsos, abandonou a Medicina.
            Meses depois, com as ecvonomias que tinha, abriu uma sorveteria.


(27/9 a 20/10/1988)
           
           


domingo, 22 de outubro de 2017

Possessão (Witchboard III - The Possession, EUA / Canadá, 1995)


“No primeiro contato que tive com o tabuleiro Ouija, conhecido nos tempos antigos como a tábua da bruxa, julguei que fosse só um brinquedo, um desses jogos que fingia invocar os espíritos dos mortos. Eu estava mortalmente errado. A tábua Ouija é um portal para o outro mundo, que chama tanto bons como maus espíritos. Foi azar chamar o espírito de Nagor e seu culto de fertilidade. Meu nome é Francis Redmond e estou atualmente morto.”

Essa é a introdução de “Possessão” (Witchboard III – The Possession, 1995), lançado no Brasil em vídeo VHS pela “Canyon International”, sendo o terceiro filme de uma franquia que ainda conta com “Espírito Assassino” (Witchboard, 1986), lançado em VHS por aqui pela “Look”, e “Entrada Para o Inferno” (Witchboard 2: The Devil´s Doorway, 1993), em VHS pela “Mundial”. Como cada filme foi lançado por uma distribuidora diferente, termos uma imensa confusão de títulos nacionais, dificultando ainda mais o árduo trabalho de pesquisa e catalogação dos colecionadores.
Dirigido por Peter Svatek e com Kevin S. Tenney como um dos roteiristas (ele foi o diretor dos dois primeiros filmes da série), a história clichê é sobre a manjada tábua Ouija, já explorada à exaustão no cinema, um artefato mágico que permite a comunicação com os mortos.
A bela Julie (Locky Lambert) é casada com Brian (David Nerman), um corretor de ações que está desempregado e com dificuldades para encontrar uma recolocação no mercado. Eles moram de aluguel num apartamento cujo prédio é de propriedade do misterioso Francis Redmond (Cedric Smith), um senhor idoso solitário que coleciona objetos antigos de bruxaria e ocultismo, incluindo um tabuleiro Ouija. Ele logo convida Brian para participar de uma sessão com a “tábua da bruxa” (“Witchboard”, do título original da franquia), mostrando como incentivo o fato de ter enriquecido no mercado de ações com informações privilegiadas obtidas através de um espírito.
Porém, o contato com os mortos trouxe graves conseqüências para a vida de Brian, relacionadas com o nome do filme, trazendo para o nosso mundo o espírito de um demônio à procura de uma mulher fértil que pudesse gerar seu filho. A esposa Julie percebe as mudanças estranhas no comportamento de Brian, que inclui brincadeiras desagradáveis com uma amiga dela, a igualmente bela Lisa (Donna Sarrasin), e tenta descobrir a verdade para salvar o espírito atormentado do marido, preso em outra dimensão.
“Possessão” é apenas mais um filme comum e arrastado utilizando o tema da tábua Ouija, e que com a simples menção de seu nome já se imagina o roteiro clichê. Um espírito maligno é invocado, se apossa do corpo de um homem, e temos um demônio na Terra para colocar em prática seu plano de reprodução. Nada mais óbvio e desgastante. O filme é datado dos anos 90, com efeitos especiais toscos e típicos dos filmes bagaceiros daquele período. Talvez o espectador até consiga obter alguma diversão rápida, não com a história patética, mas nos momentos de aparição do demônio em sua forma real. No mais, trata-se apenas de outro filme que nasceu para se perder no limbo.
(Juvenatrix – 22/10/17)

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Terror Mortal (Deadly Strangers, Inglaterra, 1975)


Terror Mortal” (manjado título nacional escolhido para o original “Deadly Strangers”) é um thriller inglês de 1975 que era exibido na televisão nas madrugadas da TV Globo, na sessão “Corujão”.
Dirigido por Sidney Hayers, a história mostra a fuga de um paciente de um hospital psiquiátrico numa cidade no interior da Inglaterra, aproveitando uma oportunidade de distração no atendimento de uma enfermeira. A polícia então logo inicia o processo de procura do fugitivo louco e informa a ocorrência na região, alertando para a ameaça de segurança e o perigo mortal que representa o paciente do hospício solto nas ruas.
Enquanto isso, uma bela jovem, Belle Adams (Harley Mills), está numa lanchonete de estrada tentando conseguir carona para pegar um trem numa estação ferroviária próxima. Depois de um incidente desagradável com o motorista do caminhão que decidiu levá-la inicialmente, ela aceita depois o convite de carona no carro de Stephen Slade (Simon Ward), um misterioso vendedor que passa a maior parte do tempo viajando, e que exagera no consumo de bebida alcoólica e demonstra um comportamento estranho de “voyeur”. E as coisas se complicam bastante após um confronto indesejado com dois motoqueiros arruaceiros na estrada e a presença de um psicopata assassino nas redondezas.
“Terror Mortal” é uma produção de baixo orçamento nitidamente datada dos anos 70 do século passado, um thriller com elementos de “road movie” que apesar dos inevitáveis clichês até consegue manter uma relativa atenção nas ações do casal recém formado, as constantes fugas pelas estradas do campos ingleses, a ameaça do fugitivo do asilo de loucos e a dúvida de sua identidade,  a tradicional incompetência da polícia, que nunca consegue impedir os assassinatos e sempre está atrasada nas investigações, além de uma interessante reviravolta no desfecho. O filme tem uma história simples, mas eficiente, sem barulheira, tiroteios e ação desenfreada que mais cansam do que instigam. Ao contrário, o roteiro aposta em suspense sutil e insinuações que presenteiam o espectador com uma diversão rápida e a nostalgia da década de 1970.     
Tanto Hayley Mills quanto Simon Ward eram atores bastante conceituados na época e suas performances são convincentes e de grande valor para o filme, cuja história simples poderia transformá-lo apenas em outro exemplo descartável do estilo. E curiosamente, o veterano ator americano Sterling Hayden (1916 / 1986) teve uma participação pequena como um excêntrico galanteador que também oferece carona para a mocinha.
(Juvenatrix – 20/10/17)

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

A Maldição de Zachary (Slime City, EUA, 1988)


Lançado em vídeo VHS no Brasil pela “Lamy Filmes”, “A Maldição de Zachary” (Slime City, 1988), com direção e roteiro de Gregory Lamberson, é o típico filme bagaceiro de horror dos anos 80, nitidamente datado, com as trilhas sonoras da época e efeitos especiais sem as facilidades da computação gráfica, com várias cenas de mortes sangrentas, tripas expostas e gosmas coloridas para todos os lados.
Na história, Alex Carmichel (Craig Sabin) é um estudante e aspirante a pintor que se muda para um apartamento na tentativa de ficar ainda mais próximo da namorada e colega de escola Lori (Mary Huner). No mesmo prédio moram outros jovens estranhos como Roman (Dennis Embry) e a bela Nicole (também Mary Huner), além das idosas Ruby (Bunny Levine), que convenceu Alex a alugar o apartamento, e Lizzy (Jane Doniger Reibel), a proprietária do prédio. Roman logo oferece ao novo inquilino um misterioso caldo gosmento para se comer como iogurte, e a bela Nicole, que está sempre pouco vestida com roupas de couro, logo utiliza seu charme e sensualidade para seduzir Alex.
 A Sra. Lizzy é filha de Zachary Devon, um antigo feiticeiro conhecedor de alquimia e ocultismo, que liderava uma seita satânica onde todos os seguidores se suicidaram e tentavam retornar do mundo dos mortos se apossando do corpo dos jovens que moravam no prédio. O bruxo deixou como legado um misterioso líquido verde, armazenado em garrafas no porão, mantido por Lizzy e oferecido como um elixir para Alex beber. O rapaz então se transforma numa criatura deformada e gosmenta, ávida por matar, derretendo um líquido viscoso de seu corpo. E com o desaparecimento de suas vítimas, entre mendigos, prostitutas e até os próprios amigos como Jerry (T. J. Merrick), ele acaba despertando a atenção da polícia incompetente, através da investigação do detetive Irish (Dick Biel), incapaz de descobrir qualquer coisa e impedir as ações do assassino.
Se por um lado o filme tem a tradicional história clichê do homem transformado em monstro assassino, com atuações inexpressivas do elenco, podemos enaltecer os efeitos especiais, mesmo numa produção de baixo orçamento. Eles são muito divertidos, principalmente nas cenas violentas no desfecho do filme, com banhos de sangue, tripas dilaceradas e cérebro rastejante sem CGI. Temos até cabeça separada do corpo e membros decepados que continuam vivos e ansiosos para sangrar a mocinha.     
Curiosamente, percebemos influências de outros filmes divertidos do horror bagaceiro como “O Incrível Homem Que Derreteu” (1977), “A Coisa” (1985) e “Street Trash” (1987), entre outros. Teve uma continuação em 2010, “Slime City Massacre”, também do diretor e roteirista Gregory Lamberson e com o mesmo ator Craig Sabin. 
(Juvenatrix – 13/10/17)

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

La Maldición de la Bestia (Night of the Howling Beast, Espanha, 1975)


Dono de uma carreira voltada para o divertido cinema fantástico bagaceiro, o multifuncional espanhol Paul Naschy (1934 / 2009) é um dos cultuados nomes do gênero e criador do lobisomem Waldemar Daninsky, atuando como esse personagem em 13 filmes entre 1968 e 2004. O oitavo da série recebeu vários nomes diferentes, desde o original espanhol “La Maldición de la Bestia” até alguns títulos ingleses como o estranho “The Werewolf vs. the Yeti” e o sonoro “Night of the Howling Beast”. Dirigido por Miguel Iglesias (creditado como M. I. Bonns) em 1975, o roteiro também é de Paul Naschy (creditado como Jacinto Molina), numa mistura com vários clichês do gênero, abordando licantropia, vampirismo, canibalismo e até o folclórico “Yeti”, mais conhecido na cultura pop como o “abominável homem das neves”.
O aventureiro Waldemar Daninsky (Paul Naschy) se encontra com o Prof. Lacombe (Josep Castillo Escalona) e sua bela filha Sylvia (Mercedes Molina, creditada como Grace Mills), para formar uma expedição científica nas montanhas do Himalaia, Tibet, para tentar localizar o lendário homem das neves, também conhecido como “Yeti”. Faz parte também do grupo, entre outros, o jovem Larry Talbot (Gil Vidal). Daninsky encontra uma misteriosa caverna nas montanhas geladas, com um antigo santuário budista em seu interior, protegida por duas belas guardiãs que se revelam vampiras demoníacas e canibais.
Elas aprisionam Daninsky como escravo sexual e através de uma mordida ele é transformado em lobisomem nas noites de lua cheia. Após conseguir escapar do cativeiro, ele ainda tem que enfrentar um tirano sádico, Sekkar Khan (Luis Induni), que lidera um grupo de bandidos violentos, juntamente com a perversa feiticeira Wandesa (Silvia Solar), e que seqüestraram os membros da expedição científica do Prof. Lacombe. Seu objetivo agora é lutar para salvar a bela Sylvia das garras do vilão, mas seus problemas se intensificam ainda mais ao cruzar o caminho do “Yeti” e confrontá-lo numa luta mortal.    
Os efeitos de trucagem na transformação de Daninsky em lobisomem são muito interessantes, e a maquiagem tosca tanto do lobisomem quanto do “Yeti” são bem divertidas, analisando dentro do contexto do cinema bagaceiro de horror. O filme tem muitas mortes sangrentas, apesar de pouco gráficas. E um destaque certamente é uma cena de tortura de uma mulher que tem parte da pele das costas arrancada brutalmente para servir de tentativa de alívio num tratamento alternativo das terríveis dores causadas por feridas nas costas do vilão Sekkar Khan.
Curiosamente, o nome do personagem Larry Talbot é o mesmo do filme “O Lobisomem” (The Wolfman, 1941), da produtora americana “Universal”, com Lon Chaney Jr. interpretando o papel do homem que se transformaria em lobisomem.
A opção de enfatizarem a criatura mítica “Yeti” em títulos alternativos do filme parece nitidamente oportunista para chamar a atenção do público, pois o homem das neves aparece pouco, apenas rapidamente no início do filme, e depois no desfecho, na luta com o lobisomem.
Uma das taglines promocionais, que numa tradução literal seria algo como “duas feras sanguinárias num combate mortal” é bem sensacionalista, uma vez que o tal confronto só acontece no final e de uma forma que pode ser considerada discreta e decepcionante.  “La Maldición de La Bestia” é basicamente um filme tosco de lobisomem com quase nada de “Yeti”.
É evidente a boa tentativa de horror dos realizadores, mas mesmo com resultados apenas medianos, o filme ainda fez parte da lista de produções banidas na Inglaterra (os chamados “vídeos nasty”) na década de 1980, pelo conteúdo de violência.
(Juvenatrix – 06/10/17)

sábado, 30 de setembro de 2017

Ataque Alienígena (Alien Attack, Inglaterra, 1976)


“Espaço 1999” (1975 / 1977) é uma série de TV de ficção científica com produção inglesa de Gerry e Sylvia Anderson, e que teve duas temporadas com 48 episódios de 50 minutos. Alguns episódios foram compilados e transformados em telefilmes de longa metragem nos anos seguintes. Um desses filmes para a televisão é “Ataque Alienígena” (Alien Attack, 1976), dirigido por Charles Crichton, Lee H. Katzin e Bill Lenny, numa reunião dos episódios número 1 “Breakaway” e número 4 “War Games”.

“Desde o início dos tempos quando o Homem olhou para o Universo, nossa galáxia foi dominada pela Lua, o grande satélite natural da Terra. Essa obsessão levou às explorações em meados do século XX, culminando na base lunar de hoje. Um instrumento complexo e adiantado, auto-suficiente em todos os aspectos. O centro de comando, Base Lunar Alfa, é uma estação bem colonizada, monitorada regularmente e funcionando bem. Sua existência foi possível pela alimentação com lixo nuclear da Terra. Desta base as fronteiras podem se estender e a busca por outras formas de vida tornou-se possível. Recebemos agora sinais do planeta Meta, que podem ser seres inteligentes. A missão: sondagem com homens. A nave está pronta, a tripulação completa o seu treinamento. O ano: 2100.”

Com essa introdução narrada, tem início “Ataque Alienígena”, com a curiosidade de alterar o ano de 1999 (da série de TV) para 2100, numa tentativa dos produtores em dar mais credibilidade para os avanços tecnológicos. Na Terra, o Comissário Gerald Simmonds (Roy Dotrice), nomeia o Comandante John Koenig (Martin Landau, 1928 / 2017) para chefiar uma base científica na Lua com 300 homens e mulheres, e tentar descobrir a causa misteriosa da morte de vários astronautas, com danos cerebrais graves sem recuperação, causando surtos seguidos de morte, podendo ter alguma relação com o lixo tóxico vindo da Terra e armazenado na Lua. Seu objetivo também é liderar uma equipe de sondagem do planeta Meta. Para ajudá-lo, ele conta com o apoio da responsável pela equipe médica, a Dra. Helena Russell (Barbara Bain), e também o cientista Prof. Victor Bergman (Barry Morse).
Porém, ocorre uma explosão nuclear de grandes proporções com os resíduos tóxicos estocados no lado oculto do satélite, tirando-o da órbita da Terra rumando para o espaço infinito, carregando a base Alfa e impossibilitando alguma ação de resgate, sendo considerada perdida. Uma vez viajando sem destino, eles entram em contato com um planeta misterioso e um confronto bélico é inevitável. De um lado, os humanos procurando um novo lar, e do outro, os alienígenas bem mais avançados, representados por um humanoide macho (Anthony Valentine) e uma fêmea (Isla Blair), que não querem ser importunados pelos intrusos da Terra.
A primeira parte de “Ataque Alienígena” é mais arrastada, com o foco na investigação do Comandante Koenig sobre o mistério da radiação magnética que está levando os astronautas da base lunar à loucura e depois morte, até a ocorrência da explosão que lançou a Lua sem rumo no espaço. Depois, na segunda metade, com as ações de batalha espacial entre os humanos e os alienígenas o ritmo narrativo ganhou intensidade com tiroteios, explosões de bombas, naves destruídas e incêndios nas instalações de ambos os lados da guerra. 
Os efeitos especiais são datados dos anos 1970 e considerados ótimos para os padrões da época, com naves espaciais e instalações da base lunar em miniaturas, além de cenários e figurinos futuristas, tudo sem o apoio da computação gráfica que auxilia na concepção dos efeitos do cinema moderno do século XXI.
Curiosamente, “Ataque Alienígena” foi distribuído no Brasil em vídeo VHS pela “Office” e outros filmes de longa metragem também foram lançados com compilações de episódios da série “Espaço 1999”, como “Journey Through the Black Sun” (1976), “Destination Moonbase-Alpha” (1978) e “A Princesa Cósmica” (1982).
(Juvenatrix – 30/09/17)

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Amor Satânico (Deadly Love, EUA, 1987)


É curioso notar que alguns filmes extremamente ruins e obscuros, que são completamente ignorados em seu próprio país de origem, receberam a lembrança de serem lançados no Brasil, independente do tipo de mídia. “Amor Satânico” (Deadly Love, 1987) é um deles, lançado por aqui em vídeo VHS pela “Poletel”, com direção e roteiro de Michael O´Rourke, sendo uma tranqueira tão ruim que é difícil de assistir, num imenso exercício de paciência do espectador em acompanhar o filme até seu desfecho.
Nos anos 60 um casal de namorados formado por Annie Butler (Cassie Brown) e o motoqueiro Buddy (Mark Oglesby) vive numa pequena cidade americana. Porém, o pai rico de Annie não aceita o namoro e durante um confronto com o rapaz, ele é morto pelo capataz de sua fazenda, Clint (Jim Alves), que também nutre um amor platônico pela moça.
Vinte anos depois, Annie vive sozinha na fazenda após a morte de seu pai, e continua sofrendo por amor, tornando-se reclusa e conhecida pelos jovens locais como maluca, sendo atormentada por eles. Ela apela para os ensinamentos sobre um feitiço de um espelho mágico, consultando um livro de ocultisrmo, e após aprender como fazer um ritual de magia negra, seu antigo namorado retorna dos mortos para visitá-la. Ainda assim, ela se suicida e uma sobrinha herda a propriedade, Hillie (Eileen Hart), que faz amizade com um jovem da cidade, Skip (Buddy Reynolds), e não imaginam que uma figura sombria vestida como motoqueiro está rondando o local ao mesmo tempo em que corpos de jovens mortos começam a surgir.
“Amor Satânico” é bem datado, lembrando os anos 80, época de fitas cassete e discos de vinis tocados em vitrolas. A história é bem patética, com uma narrativa arrastada que afasta o filme de qualquer tipo de diversão, exceto talvez por alguns poucos momentos de violência com mortes sangrentas. O elenco é sofrível, com interpretações ruins e amadoras contribuindo para o desinteresse geral. O roteiro tenta criar alguma tensão com reviravoltas, mas não impede um resultado que apenas coloque o filme num merecido lugar no limbo das produções que ninguém viu, se lembra ou faz questão de se lembrar.
(Juvenatrix – 24/09/17)

Vingança Eterna / A Múmia Vive (The Mummy Lives, EUA, 1993)


A “múmia” é um dos monstros clássicos do Horror, ao lado do vampiro “Drácula”, “criatura de Frankenstein”, “lobisomem” e outros, e regularmente tem inspirado a produção de grande quantidade de filmes ao longo da história do gênero. “Vingança Eterna” (The Mummy Lives, 1993) foi lançado por aqui em vídeo VHS pela Warner e também recebeu o título “A Múmia Vive” (tradução literal do original) quando foi exibido na televisão (TV Globo). Foi dirigido por Gerry O´Hara e é apenas mais um filme com o mesmo tema de maldição de múmia egípcia. E talvez os únicos diferenciais para a infinidade de filmes similares sejam a presença do ator Tony Curtis (1925 / 2010) no papel principal, e o nome do cultuado escritor Edgar Allan Poe, creditado por um conto que inspirou o roteiro. Mas não é o suficiente para impedir de situar o filme no limbo das produções sem importância sobre múmias.
Um grupo de arqueólogos formado, entre outros, pelo Prof. Alexatos (Mohammed Bakri) e pelo Sr. Kroll (Mosko Alkalai), financiados pelo magnata inglês Lord Maxton (Jack Cohen), está realizando escavações nas proximidades de Cairo, a capital do Egito, e encontra uma sala oculta com a tumba de uma múmia de 3000 anos. Trata-se de Aziru (Tony Curtis), que foi condenado pelo amor proibido com Kia (Leslie Hardy), uma das concubinas preferidas de Zoth, o Deus da Vingança. Pelo delito foi punido e transformado em múmia pela eternidade, lacrado vivo num sarcófago, tornando-se protetor dos mortos e guardião dos tesouros do seu mestre, lançando maldições contra os profanadores do túmulo sagrado.
Após despertada da inatividade, a múmia retorna para o mundo dos vivos como o Dr. Mohassid (também Tony Curtis), um estudioso da cultura egípcia e especialista em antiguidades. Ele encontra na bela Sandra Barnes (também Leslie Hardy) a reencarnação de sua amada Kia, planejando a união deles num ritual de sacrifício num evento astronômico com uma rara conjunção planetária. Sandra sofre com constantes pesadelos e conta com a ajuda do médico Dr. Carey Williams (Greg Wrangler), apaixonado por ela, para lutar pela vida e impedir um trágico destino no plano maquiavélico da múmia.
“Vingança Eterna” é um filme cansativo, que não consegue criar uma empatia com o espectador ao apresentar e explorar os mesmos velhos clichês sobre múmias, o imperialismo inglês no Egito, as escavações à procura de tesouros perdidos no tempo, as profanações dos túmulos sagrados, os roubos de artefatos preciosos para museus e patrimônios particulares, as maldições lançadas contra quem invadisse seus territórios proibidos e a manjada vingança de retaliação com poucas e previsíveis mortes discretas. Ou seja, mais do mesmo, sem novidades, numa produção comum com quase nada de violência ou sangue, e que nem Tony Curtis conseguiu evitar que tenha seu lugar garantido no esquecimento.
(Juvenatrix – 24/09/17)