sexta-feira, 3 de abril de 2015

Os deuses do mar, Simone O. Marques

Marina e os tesouros da tribo de Dana: Os deuses do mar, Simone O. Marques. 244 páginas. Capa de Marina Avila. Ilustrações de Patrícia Kovacs. Modo Editora. Rua Guatemala, Campo Grande, MS, 2012.

A estreante Modo Editora, empresa baseada na cidade de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, inaugurou seu catálogo privilegiando a literatura fantástica, com um toque romântico e feminino. Entre os autores da casa, quem mais recebeu atenção foi a paulistana Simone O. Marques, escritora de sólida formação acadêmica, com gradução em psicologia e mestrado em educação, que já havia publicado diversos romances em edição própria. Em 2012, a Modo relançou dois de seus títulos principais, Paganus e Agridoce, e o inédito Marina e os tesouros da Tribo de Dana: Os deuses do mar. Trata-se de um episódio de uma longa saga iniciada com o já citado Paganus – primeiro publicado como Gênese pagã (2008) – seguido dos romances Triskle (2009), Tribo de Dana (2009) e Era de aquário (2010), este publicado em dois volumes. A série acompanha a história de uma dinastia de sacerdotisas celtas e suas dificuldades em praticar sua fé num mundo cristão.
Pelas resenhas disponíveis na internet, trata-se de um trabalho para leitoras adultas, mas esse não parece ter sido o público-alvo do episódio aqui resenhado. Os deuses do mar é claramente um texto para leitoras adolescentes: a linguagem é simples e de características juvenis, com muita ação e romance.
Marina é uma jovenzinha de dezesseis anos, encarnação de uma trindade de antigas deusas celtas. Devido a sua natureza divina, é diligentemente protegida pela Tribo de Dana, comunidade isolada na Chapada dos Veadeiros, em Goiás. Ela é ali conhecida como a Pequena Dana, vigiada dia e noite por guardas-costas exclusivos, que ela chama de Sombras.
Ressentida com a falta de liberdade, Marina está sempre se metendo em enrascadas nas mais diversas armadilhas que a floresta esconde. E é justamente numa dessas oportunidades que ela e dois jovens Sombras, Brian e Arthur, vão parar numa terra estranha depois de cair num buraco dentro de uma espécie de túmulo ancestral. Nesse País das Maravilhas celta, localizado nos subterrâneos no planalto central do País, há duendes e harpias, frutas e animais encantados, deuses e deusas de intenções ambíguas. Para voltar a salvo para a tribo, o trio terá de reunir um determinado conjunto de objetos mágicos cuja função não é explicada. Enquanto correm daqui para lá tentando escapar dos perigos dessa terra desconhecida, Marina rende-se aos encantos de Brian, que corresponde o interesse. As cenas de romance são recatadas mas verdadeiramente emocionantes, com Arthur, o segundo guarda-costas, funcionando como o elemento que impede desdobramentos mais picantes na relação. A história, contudo, não é conclusiva e encerra sem que os jovens consigam reunir todos os objetos e voltar ao seu mundo, o que talvez só aconteça na sequência Fadas e druidas, anunciada na última página do livro.
A produção gráfica do volume é elegante, sendo a capa assinada por Marina Avila, que também organizou a apresentação visual interna, com entrelinhamento largo e muitas vinhetas retiradas de detalhes da imagem vista na capa. Quatro ilustrações de Patrícia Kovacs espalham-se pelo livro: realizadas na estética dos quadrinhos japoneses, dialogam bem com o leitor jovem, mas não se integram adequadamente à proposta gráfica da edição, que sugere algo mais místico.
Excetuando-se as licenças próprias às histórias de fantasia, como fato de existir uma tribo celta vivendo incógnita em meio ao cerrado de um parque nacional, tudo estaria muito bem, mas há um insistente subtexto proselitista que não é possível ignorar. Ele fica claro na leitura do prólogo, que faz um resumo dos episódios anteriores da série, e mantém-se ao longo da narrativa em insistentes citações da autora.
O prólogo informa que, alguns anos antes e com um simples desejo, Marina eliminou todas as armas de fogo e bombas nucleares do mundo, assim como os recursos para recriá-las. Por isso, tornou-se alvo do ódio, não das agências de segurança internacionais como seria de se supor, mas da igreja cristã, que montou um exército para caçá-la. No confronto final, às portas da aldeia, a Tribo de Dana foi socorrida pelas divindades celtas e derrotou não apenas o exército cristão, mas também o próprio Deus, dando início a uma nova ordem mundial em resgate à vida simples e à preservação da natureza. Há alguma ingenuidade aqui, pois não se sabe o que foi feito de todas as demais religiões que existem no mundo. E todas essas boas intenções não aplacaram a paranoia da Tribo de Dana que, como se percebe na leitura do romance, segue armando e treinando exaustivamente seus guerreiros.
Dependendo da forma com que o leitor receber esse subtexto, podem ser anulados todos os méritos da obra como literatura fantástica. Mesmo assim, Os deuses do mar pode ainda ser uma experiência divertida.
Cesar Silva

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