quarta-feira, 15 de abril de 2015

Campo Total e Outros Contos de Ficção Científica, Carlos Orsi

Campo Total e Outros Contos de Ficção Científica, Carlos Orsi. Ilustração de capa: Eriksama, 154 páginas. São Paulo: Editora Draco, 2013.

Carlos Orsi anuncia na apresentação que este é um livro especial. Primeiro, porque marca os 20 anos de sua estreia profissional, quando publicou a noveleta “Aprendizado”, na revista Isaac Asimov Magazine, n. 24, em novembro de 1992. Segundo porque representa um ponto de ruptura em sua carreira, já que ele pretende que seja o último livro de ficção científica que deverá publicar.
Campo Total é também o retorno de Orsi à forma narrativa do conto, depois de publicar os romances Guerra Justa (2010) e Nômade (2010), além de republicar a novela As Dez Torres de Sangue (2012; a primeira saiu na Coleção Fantástica, em 1999).
Desde Tempos de Fúria (2005), ele não publicava um volume só de contos, e este retorno gerou uma boa expectativa para este resenhador. Isso porque sempre gostei muito dos trabalhos mais curtos de Orsi, ao contrário de seus textos mais longos que, como o próprio autor admite em seu blog, são mais sequências de narrativas encadeadas do que propriamente um romance. Não que isso seja necessariamente ruim, mas o caso é que o resultado no caso deste autor é inferior ao que ele produz em narrativas mais curtas. Talvez por isso mesmo os romances fix-ups não tiveram o mesmo impacto que os textos curtos, pois Orsi sabe como poucos na ficção científica brasileira abordar um tema específico e tirar muito dele em poucas páginas. Tem uma forma narrativa objetiva, compacta, que vai direto ao ponto, justificando o argumento de críticos que afirmam que a forma curta (conto e noveleta) é melhor para um gênero como a FC, que se caracteriza pelo desenvolvimento de uma ideia.
Mas é fato também que Orsi nunca foi um escritor de FC per se. Outra característica que o distingue no panorama brasileiro é a sua habilidade em transitar muito bem entre os gêneros da FC e do horror. De tal maneira que seus melhores textos são de difícil classificação entre um e outro, destacando-se o cenário híbrido dos enredos.
Nesta nova coletânea, nomeada como de ficção científica, o horror reaparece pouco. Por exemplo, em contos como “Um Bom Emprego” – surpreendente reedição em sua carreira de um conto neolovecraftiano –, e “Disse a Profetiza”. Mas são pálidas incursões se comparadas a textos anteriores como, por exemplo, “O Mal de um Homem”, “Planeta dos Mortos” ou “A Fábrica”. Temos em mãos, então, um volume de histórias curtas pouco híbridas e mais identificadas com a FC.
Basicamente estas histórias situam-se em dois polos. Primeiro, textos mais especulativos, que procura desenvolver alguma ideia científica nova ou um conceito mais abstrato. Textos como, por exemplo, “A Equação” e “Campo Total”. Ambos interessantes, mas que mais parece querer mostrar a inteligência do autor do que o desenvolvimento narrativo a partir de uma ideia. Nesse sentido, então, são falhas por não produzir situações mais dramáticas que envolvam o leitor na história. Também vão por este caminho, “Cardeais em Órbita” e “Clitoridectomia”, ou seja, apresentam ideias potencialmente interessantes, mas que vão pouco além de uma crítica um tanto desajeitada de teor mais moral ou comportamental.
Mesmo que nem todos os contos tenham sido escritos recentemente, o autor mesmo admite que alguns deles ecoam assuntos com os quais ele vem se ocupando nos últimos anos na condição de jornalista de divulgação científica, seja como colunista da revista Galileu, seja como autor de livros como, por exemplo, o recente Pura Picaretagem (2013) – em parceria com o físico Daniel Bezerra. Isso porque Orsi reconhece uma virada de interesse em sua carreira de jornalista e escritor: de um escritor de ficção que atuava como jornalista, para um jornalista que também escreve ficção.
Dentro deste contexto, o livro se ressente, talvez, de mais empenho do autor em se dedicar por inteiro às histórias mesmo que, e isso é louvável, ele não tenha medo de arriscar temas novos, alguns deles de difícil execução, como mostrado neste livro.
Mas há pelo menos duas histórias que nos remete ao bom contador de histórias com o qual o autor se notabilizou na FC&F brasileira a partir dos anos 1990: “Nativos” e “Terror no Planeta dos Canibais”. Em ambas vê-se a pujança de seu texto quando voltado a temáticas de aventura e ação, onde não faltam soluções dramáticas e criativas. Histórias de aventura e contato em planetas distantes de primeira categoria. Em “Nativos”, um diplomata busca travar contato com uma estranhíssima forma de vida inteligente baseada, aparentemente, na radioatividade – como as plantas terrestres se baseiam na fotossíntese para retirar energia da luz do Sol. Há toda uma construção social de um cenário de colonização de fronteira, meio ao estilo de um faroeste que dá um sabor especial à trama. A melhor história do livro. Outra muito boa nesta linha é “Terror no Planeta dos Canibais”, em que uma equipe de astronautas que viaja a velocidades próximas à da luz, a Planetária, vai a um planeta obscuro para resgatar uma nave terrestre e descobre que, abandonados e sem poder se alimentar no planeta recorrem ao canibalismo. A ideia desta equipe da Planetária de resgatar naves e terrestres em perigo universo à fora, poderia render mais, ou um romance ou uma série de histórias com muitas aventuras.
Como o próprio autor declara na apresentação do livro, ele tem uma “busca quase obsessiva pela narrativa de ação e aventura”. Ora, este livro torna isso claríssimo! Parece mesmo que há dois autores diferentes, o das histórias frias e especulativas e as outras com ação e aventura.
Carlos Orsi pode até escrever histórias mais reflexivas, mas mostra neste livro que o seu forte está em ser um bom contador de histórias: tem bom ritmo narrativo, ideias criativas e aventura e drama na medida certa. É com esse tipo de texto que ele foi reconhecido dentro da FC&F brasileira, especialmente na temática do horror, e é uma pena que afirme ser este seu último livro escrito de forma espontânea, sem que seja convidado para escrever um conto para uma antologia.
Como o autor ainda é novo esperemos que ele mude de opinião mais adiante e volte a escrever histórias como “Nativos” e “Terror no Planeta dos Canibais”. Sua melhor ficção segue nesta linha e ele ainda tem muito a contribuir para boas aventuras de ficção científica e horror no cenário nacional.

– Marcello Simão Branco


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