quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Bom de briga, Paul Pope

Bom de briga (Battling boy), Paul Pope. 204 páginas. Editora Companhia das Letras, selo Quadrinhos na Cia, São Paulo, 2014.

Todos os leitores de quadrinhos sabem o quanto é raro que surja uma nova boa ideia em meio às centenas que lhe são oferecidas diariamente, em especial o gênero dos super-heróis, que está em crise criativa há pelo menos duas décadas. A maior parte do material dito 'novo' não passa de derivação: a mesma história de sempre com um desenho diferente, às vezes nem mesmo isso. Os grandes artistas do segmento já morreram e, atualmente, os personagens são reféns de suas próprias franquias e os artistas não podem interferir na sua estrutura. Além do mais, é raro que surjam novos personagens, porque as editoras maiores saturam o mercado e sufocam qualquer possível concorrência em seu nascedouro, geralmente cooptando o artista para trabalhar em suas próprias franquias.
Mesmo passando por todo esse processo, o quadrinhista americano Paul Pope segue resistindo com seu trabalho autoral. Chegou a ser utilizado pela DC na produção de Batman: Ano 100 e nas minisséries de ficção científica 100% e Heavy Liquid, ambas da linha Vertigo, entre outros trabalhos. Pope é um dos raros artistas ocidentais a ter publicado na prestigiosa editora japonesa Kodansha. Sua vivência com tantas fontes de influência, que vão dos comics americanos aos quadrinhos japoneses e europeus, tornaram sua arte um cardápio rico e impactante, já reconhecida por três prêmios Eisner Award, em 2006 e 2007. Seu desenho algo relaxado investe no volume, no movimento e numa expressividade inusitados.
Essas qualidades estão todas presentes no álbum Bom de Briga (Battling Boy), originalmente editado em 2013 pela editora First Second Books, e publicado no Brasil em 2014 pela Editora Companhia da Letras em seu selo Quadrinhos na Cia.
Trata-se de uma história na linha New Weird, amálgama de ficção científica, fantasia e horror com uma ambientação realista. Bom de Briga é o nome de um garotinho de doze anos que acaba de chegar à cidade de Arcopolis, que se encontra sitiada pelo ataque de uma horda monstros de todos os tipos e tamanhos. O herói da cidade, o vigilante mascarado Haggard West, caiu numa emboscada e agora a cidade está completamente desprotegida. A chegada de Bom de Briga não é um acaso, pois ele tem uma missão: proteger Arcopolis. Isso porque, apesar de muito jovem, Bom de Briga não é um garoto qualquer. Ele é um semideus, vindo diretamente da cidade celestial, enviado por sua própria família divina para defender o lugar como uma espécie de rito de passagem para a divindade plena. Bom de Briga é poderoso e imortal, mas isso não torna a tarefa fácil. Logo de cara, ele tem que enfrentar Humbaba, um gigantesco monstro devorador de metal que está prestes a derrubar as defesas da cidade. E entra em ação com a confiança de um deus, mas falta de experiência é um sério obstáculo ao sucesso do garoto, que num momento de fraqueza e indecisão, acaba pedindo socorro ao pai, que o ajuda à distância, pois ele também está envolvido em seus próprios combates. Mas ele o adverte: "Não se fie em minha cômoda intervenção! Você deve repensar suas estratégias!" Ou seja, Bom de Briga terá de se virar sozinho dali em diante.
Exibida na tv, a luta de Bom de Briga e Humbaba torna o garoto no novo herói da cidade, recebido pelo governo com honras de estado e mimos, mas ele também o teme. Afinal, quem é esse Bom de Briga? Podemos confiar nele? A jovem Aurora, filha, assistente a agora órfã do falecido Haggard West, tenta assumir o posto do pai com a certeza que Bom de Briga não é digno dessa confiança. Enquanto isso, os monstros que, até então, agiam de forma desarticulada, começam a se organizar. Eles também não sabem quem é o menino que derrotou Humbaba tão facilmente, mas de uma coisa todos têm certeza: Bom de Briga precisa morrer.
A narrativa de Pope, somada a uma pletora de personagens instigantes, demonstra a mesma força das grandes sagas cósmicas criadas pelo ilustrador americano Jack Kirby (1917-1994), com um desenho agressivo e movimentado que reporta ao mangá e ao quadrinho europeu.
Bom de Briga tem 204 páginas em papel cuchê totalmente em cores, encadernação costurada e capa em cartão com laminação brilhante. Está, com certeza, entre as mais importantes publicações de quadrinhos no país em 2014.
Altamente recomendável.
— Cesar Silva

Nenhum comentário:

Postar um comentário